Sim, a falta de chuvas agrava a seca brasileira. Mas é outro o real motivo da escassez de água: a incapacidade oficial em administrar os vastos recursos hídricos do país
Jennifer Ann Thomas e Raquel Beer
Como explicar que há perigo de racionamento de água em um país que detém 12% dos recursos hídricos do planeta? Sim, a falta de chuvas é um motivo. A precipitação está abaixo do esperado nas três regiões mais populosas, onde estão 84% dos brasileiros. Mesmo assim, em teoria, sobraria água potável para suprir a demanda.
O que realmente explica o risco é a ineficiência em administrar nossa imensa capacidade hídrica. As reservas, como a da Cantareira – responsável pelo abastecimento de 10 milhões de paulistas -, atualmente com 8,8% de sua capacidade, estão à beira do colapso. Para piorar, pela carência de investimentos em fiscalização e em novas tecnologias, 40% da água tratada vaza em tubulações precárias.
A situação é ainda mais alarmante quando se leva em conta que mudanças climáticas que afetam a Terra farão com que secas sejam cada vez mais frequentes no Brasil. Estamos preparados?
Em consequência do aumento da temperatura global em 1,2 grau em cinco décadas, treze dos catorze anos mais quentes desde que começaram as medições, em 1850, ocorreram neste começo de século. O Brasil é diretamente afetado. Segundo o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), órgão da ONU, as chuvas no Nordeste serão cada vez mais raras, o que transformará áreas semiáridas em áridas.
Até o fim deste século, quando o mundo deve aquecer 1,3 grau, será reduzida a quantidade de água potável em regiões subtropicais e tropicais, a exemplo do Brasil. O descompasso do clima tem outro efeito, este difícil de ser mensurado. Disse a VEJA o cientista ambiental Anthony Leiserowitz, da Universidade Yale, nos Estados Unidos: “As alterações climáticas aumentam a frequência de eventos extremos, como as secas em períodos teoricamente chuvosos e tempestades quando antes não víamos uma gota caindo do céu”.
Climatologistas esperavam que ocorresse seca no Brasil. “Mas nossa estrutura não foi preparada para lidar com isso”, afirma o engenheiro ambiental Benedito Braga, professor da USP e presidente do Conselho Mundial da Água. “Temos poucos reservatórios e é ineficiente a tecnologia brasileira de captação hídrica”, completa.
O IPCC aponta soluções para países onde há água de sobra, mas o recurso é mal utilizado. Entre elas, o tratamento de água da chuva. Também é preciso acabar com o desperdício. Enquanto 40 de cada 100 mililitros de água tratada no Brasil não chegam aos consumidores, em países secos a captação beira a perfeição.
Em Israel, onde desertos tomam 60% do território, a água do mar é dessalinizada, a irrigação é por gotejamento (gotas são aplicadas diretamente na raiz) e sensores avisam quando canos vazam. Resultado: nem 5% da água é desperdiçada. Enquanto isso, no Brasil, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) deixou de investir 815 milhões de reais em melhorias que evitariam a seca e responde a inquérito do Ministério Público que questiona a má gestão de recursos hídricos paulistas. Só nos sobrou rezar para São Pedro.
Fonte: Planeta Sustentável